terça-feira, 13 de outubro de 2009

Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley (1932)


Dificulto precisar se por gostar profundamente de ficção científica, ou se por identificar-me inconscientemente com o aspecto metódico, sistêmico e pragmático de um Administrador Fordista - talhado magistralmente por Aldous Huxley – que optei por trazer para o Café com Impressões esta obra-prima. Provavelmente foi pela conjunção destes dois fatores.

Admirável Mundo Novo é um marco literário sem precedentes, cujo mérito já foi exaustivamente abordado e ressaltado em diversos artigos e textos, por pessoas muitíssimas vezes mais qualificadas que nós outros. Nosso objetivo é somente refletir, discutir e ponderar sobre os pontos que mais nos chamaram a atenção, num clima de amizade e com muito bom humor, alto astral e, especialmente, degustando sempre uma ótima comida! Vide ao fato que a expressão mais citada da noite foi “Orgião-Espadão” (risos), ao som de The Corrs, Black Eyed Peas, e isto tudo com um delicioso foundue de carne a nossa frente!

O épico de Aldous Huxley possui muitas dimensões, e alcunhá-lo apenas como um livro de ficção científica é tirar muito do seu brilho, do seu métiro, do seu peso histórico. Ao lê-lo cuidadosamente, perceberemos traços nítidos de um verdadeiro ensaio sociológico/filosófico/religioso, profundo, visionário, e tudo isso em apenas 300 páginas, escritas em 1931... 1931!

Aliás, ter sido escrito em 1931 (e publicado em 1932) foi a primeira coisa que nos deixou totalmente atônitos. É espantoso como Huxley conseguiu elaborar conjecturas acerca do futuro, principalmente no que tange as ciências biológicas, reprodutivas e genéticas, com tanta precisão, critério e fundamento. Isso sem falar em outros temas, como robótica, mecânica, física, química, etc.

Sobre o que é a obra, afinal? Admirável Mundo Novo é um romance ficcional, onde um futuro nada ordinário e artificialmente perfeito aguarda a humanidade. O método de produção Fordista (http://en.wikipedia.org/wiki/Fordism) é aplicado, ipsis litteris, à organização e ao planejamento da sociedade, de maneira que tudo é minuciosamente calculado, objetivando o equilíbrio inabalável do organismo social. Os seres humanos são delineados de acordo com uma definição prévia de castas, a saber: Alfas, Betas, Gamas, Deltas e Ípsilons, que desempenham funções específicas e imutáveis dentro da sociedade, sendo os Alfas a casta mais elevada, e os Ípsilons, a mais inferior.

Admirável Mundo Novo nos apresenta a Felicidade não como efeito da Liberdade, mas sim como o efeito da mais perfeita e sinistra limitação inconsciente da Liberdade. Imagine seres humanos sendo, desde o momento de sua concepção (que, aliás, se dá de maneira industrializada, em locais chamados Centros e Incubação e Condicionamento, e não no ventre materno), projetados para exercerem papéis pré-determinados na sociedade.

Se a sociedade necessita de mineradores, que trabalharão nas minas de carvão da Espanha ou da América Central, por exemplo, alguns fetos serão expostos ao frio intenso, para que eles inconscientemente não suportem o frio e busque durante sua vida regiões quentes, abafadas. Injetaremos em seu sangue substâncias que limitarão o seu desenvolvimento intelecto-cogitivo, pois mineradores não precisam ser necessariamente, inteligentes. Aliás, se forem, poderão se transformar em elementos perturbadores da ordem social. Estimularemos apenas o seu desenvolvimento físico, pois mineradores precisam de estamina, força física e resistência, e por aí vai. Bizarro? Nem tanto...

Tudo isto é visto de forma natural e benéfica por todos na sociedade. Os psicológicos Alfas são os responsáveis pela programação da hipnopédia, ou “o aprendizado durante o sono”. Além das alterações genéticas e biológicas, realizadas no estágio embrionário descrito acima, as crianças e jovens também recebem, durante milhares de vezes, todo o treinamento e condicionamento mental que precisam para aceitarem a sua condição, durante o sono. Enquanto dormem, vozes suaves e quase imperceptíveis contendo instruções e ordens são expedidas nos Centros de Condicionamento milhares de vezes durante centenas de semanas. Assim, você fará tudo aquilo que seja fundamental para a estabilidade do organismo social, e fará de maneira inconsciente, e, melhor, fará feliz!

Se por algum motivo, algum membro da sociedade sentir alguma espécie de infelicidade (o que é quase impossível), existe o soma, uma droga alucinógena artificial, que leva o usuário a um estado de alegria e bem-estar, semi-consciente, sem nenhum tipo de efeito colateral. Quer coisa melhor do que isso?

Os mais diversos tipos de entretenimento são elaborados e desenvolvidos constantemente: esportes complicados, músicas e cinemas sintéticos, etc. Isso objetiva manter os indivíduos constantemente ocupados, quando não estão em seu horário de trabalho. Esse método tem como objetivo evitar o pensar, o refletir, o raciocinar. A religião é banida e o consumismo é exageradamente estimulado. Não há tempo para pensar, nunca!

Não existe o lar, muito menos a figura materna e paterna. Todos pertencem a todos. O sexo, não tendo a função reprodutiva, é estimulado desde cedo, como um ato de recreação e de interação social.

Desta forma, o Estado Mundial criou um modelo de organização social em que todos são felizes, pois inconscientemente sabem que executam um trabalho para o qual acreditam que nasceram para executar, fazendo-os extremamente felizes. Durante o tempo livre, estão jogando, brincando, interagindo socialmente, consumindo, etc. Quando se sentem tristes, tem o soma, que os leva novamente ao estágio de felicidade. O sexo é livre, todos são de todos, e nenhuma necessidade ou desejo é negado. Admirável, não?

Sim, admirável, mas completamente artificial. E, como todo modelo estatístico, sempre haverá falhas que questionarão e desafiarão a ordem do sistema. E esta história nós recomendamos profundamente a leitura. Bernard Max, Mutafa Mond, Lenina, entre outros, são personagens de uma viagem insólita, inesquecível e marcada por diálogos magistrais. Não iremos descrever a história aqui, pois incondicionalmente recomendamos a leitura do livro.

A nota dada pelo grupo foi um sonoro e unânime 10!

Para quem quiser dar uma olhada: http://en.wikipedia.org/wiki/Brave_New_World

Hugo

5 comentários:

Rebeca disse...

Esse livro para mim mostra um embate entre a Liberdade e a Felicidade. As personagens são literalmente condicionadas a serem felizes, o que significa aceitar toda a realidade que lhes é imposta sem questionar. O questionamento gera a incerteza, o conflito e, consequentemente, a infelicidade, na medida em que quem reflete se desloca do corpo social e passa a se sentir rejeitado. No livro, só há felicidade em sociedade. Aqueles que, por um motivo ou outro, passaram a questionar a realidade, ou seja, se viram livres do comportamento condicionado, não conseguiam se sentir felizes. Fica a pergunta: o que você prefere?

Érika Martins disse...

Eu costumo dizer que a ignorância é muitas vezes uma bênção. Saber a verdade e ter liberdade para lidar com ela como desejar é algo que nos dá uma sensação de controle da nossa vida. Mas ao mesmo tempo nos angustia muitas vezes, por pairarmos na dúvida e na incerteza. A ignorância nos deixa felizes, mas por quanto tempo?

É aquela questão: é preferível se achar feliz num relacionamento sem saber que é traído ou
saber da traição e sofrer para então se libertar?

Acho que no fundo depende de cada um...

bernardo parreiras disse...

Gostei muito da escolha do livro, do nosso encontro e da análise desenvolvida acima.
O objetivo no mundo futurista descrito por Huxley é manter em paz a coletividade. O indivíduo não pode - e sequer tem consciência disso - divergir, transcender. O homem nesse contexto torna-se um meio, não um fim em si mesmo.

Mariana disse...

Esse livro foi O PICO!
É incrível como o autor consegue juntar crítica social e ciência em único texto, passando por costumes sexuais, política e liberdade.
E detalhe: isso tudo em 1932! Revolucionário!

Abraços!

bernardo parreiras disse...

Costuma-se dizer que "Admirável Mundo Novo" faz parte de uma trilogia distópica (antiutopia ou utopia negativa), cujas demais obras são "Laranja Mecânica," de Anthony Burguess, e "1984" de George Orwell.
Os três livros são interessantíssimos.
"Laranja Mecânica" foi filmado (com êxito) por S. Kubrick, mas a experiência de ler, de entrar em contato com o dialeto criado por Burguess é única (embora Kubrick tenha mantido no filme os termos nadsat), e além disso, o final do filme difere do final do livro.
"1984", do mesmo autor de "revolução dos bichos" e publicado em 1949, é uma crítica frontal aos regimes totalitários. O termo "big brother" vem desse livro.

Abraços!

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