domingo, 27 de junho de 2010

O Primo Basílio - Eça de Queiroz

Minha primeira idéia para a escolha do livro foi prestigiar um autor nacional e aproveitar a ocasião para tornar conhecido entre nós, algum não muito popular. Pensei na Ligia Fagundes Telles. Para minha enorme decepção, achei a maneira dela redigir muito chara e cansativa e mudei de idéia nas primeiras folhas do livro que tinha escolhido. Como minha segunda opção, tinha reservado o Eça de Queiroz, que acabei por colocar em pauta. A pedido de Rebeca, escolhi o "O Primo Basílio". Qualquer um dos dele seria válido. Gosto da maneira como ele conta as histórias, desmascarando a sociedade portuguesa da época, segunda metade do século XIX. O único senão que eu levanto é ter que ler o português arcaico, com sua forma indireta de falar, bem estranha à nossa. Mas tudo é cultura!

Esta história, apesar de ter quem achasse pobre de originalidade (nada de mais), deve ser avaliada no contexto da época, cheia de rigores, aparências e regras morais, principalmente aplicadas sobre as mulheres. Observamos que distinção marcante entre a tolerância com o comportamento do homem e o rigor sobre as mulheres. Neste livro o autor revela o resultado desta fórmula "rigor versus tolerância", tanto com a conclusão da história como com as atitudes hipócritas de alguns personagens.
A história trata de casal jovem de classe média abastada, Jorge e Luísa, sem filhos, que se casou mais por ser conveniente para os dois do que propriamente por amor. Moram na casa de herança de Jorge com duas empregadas e um círculo pequeno de amigos fiéis, frequentadores da casa. Tinham por hábito reunirem-se todos os fins de semana para um "sarau" em casa de Jorge. Cabia à esposa a direção dos serviços domésticos, organizar as pequenas reuniões e tocar piano. Jorge é obrigado a se ausentar por um longo período a trabalho e não cogita de levar Luísa, deixando-a sozinha por um prazo que sugere meses, tantos são os acontecimentos durante sua ausência. Ela, passado um tempo, queixa-se de abandono e solidão aos amigos íntimos do casal, sente-se aborrecida, nada para fazer, sem companhia para sair, sua amiga pessoal mais próxima é rejeitada pelo marido sob alegação de não ser boa companhia para ela pois é uma mulher mais independente, mesmo casada. O autor neste ponto, mostra a diferença de postura entre o sexos, pois conta que Sebastião, amigo bem próximo de Jorge, recebe deste uma carta onde conta suas aventuras com uma mulher que conheceu. Neste meio tempo, chega de visita em sua casa, o primo de Luísa, Basílio, com quem ela já tinha namorado antes de se comprometer. Este primo esteve fora de Portugal por anos e retornando resolve fazer-lhe uma visita. As visitas se sucedem até ser tornarem diárias, acarretando comentários maldosos da vizinhança e gerando em Luísa um grande encantamento, até porque deixa seus dias monótonos com gosto de aventura. Este primo revela-se um verdadeiro Dom Juan sem escrúpulos, interessado apenas em distrair-se com ela, aproveitar tudo o for possível, virar as costas e ir embora sem remorsos, o que de fato, faz. Luísa, ingênua e carente, depois de uma certa hesitação, deixa-se cair em tentação e envolve-se, cheia de sonhos românticos, relutando em perceber a realidade até mesmo quando esta se faz gritante aos seus olhos. O desenrolar deste romance é acompanhado de perto pela Juliana, doméstica mal amada, maliciosa e invejosa que Jorge herdou junto com a casa, e com a qual a própria Luísa não se dá bem. Constatando o fato e conseguindo provas contra a patroa, passa a chantageá-la pedindo uma vultosa soma em dinheiro a qual Luísa não tem como conseguir sem recorrer ao marido. Apela para o primo, expondo a situação, e este ainda se faz de ofendido, tirando o corpo fora. Tomando-se de brios, Luísa volta atrás e decide resolver o assunto por conta própria, coisa que não consegue. Por diversas vezes pensa em socorrer-se de Sebastião, amigo fiel do casal, mas por vergonha sempre adia a decisão. Neste estado de coisas chega Jorge de volta à casa, o que deixa Luísa apavorada, pensando que sua traição pode ser revelada a qualquer momento. O resultado é que se vê nas mãos da Juliana que passa a exigir regalias dentro de casa, menos serviço, confortos e abusos, de tal modo que o próprio Jorge chega a estranhar e reclamar com a mulher, quando a vê fazendo o serviço de casa no lugar da empregada e ainda a defendê-la. A situação fica insustentável quando o Jorge resolve mandá-la embora. Sendo pressionada pelos dois lados, Luísa afinal, recorre ao Sebastião que, condoído com o sofrimento da amiga, traça um plano para tirar as provas do adultério das mãos da Juliana e pô-la para correr dali. O plano sai melhor do que a encomenda pois que, Juliana ao ver-se descoberta, passa mal e morre. Luísa, esgotada, apesar de saber do desfecho que lhe beneficia, cai doente. Jorge, desconhecendo todo o drama, aflige-se com a doença da mulher, dando-lhe toda a assistência e cuidados. Durante este período, Luísa já melhorando e quando a tempestade parece ter acabado, chega uma carta do Basílio para a prima, que vai parar nas mãos de Jorge, uma vez que esta mais em casa para prestar cuidados à esposa. Não resistindo ao ver o remetente, le a carta e fica chocado pois, pelo texto, fica claro que houve uma grande intimidade entre os dois. Respeitando a saúde ainda frágil de Luísa, retem consigo a carta, mas morto de ciúmes, passa a remoer o que fazer agora. Recuperada, retomando sua vida normal, Luísa acaba por saber da carta indiretamente e, imaginando que Jorge já sabia de sua traição, tomada de culpa, medo e vergonha, adoece novamente, agora gravemente, deixando a todos aflitos, inclusive seu marido, que deixa de ter a oportunidade de confrontá-la. Luísa não resiste ao peso da culpa e morre para desespero de Jorge e de Sebastião que a adora em silêncio.
História de desencontros, aparências, silêncios, traições, contradições, descasos, egoísmos, hipocrisia e maledicências, deslealdades. Tudo isto presentes na sociedade de fins do século XIX, supostamente católica, rigorosa com a moral e os bons costumes, honrada, correta e autêntica, que gera personagens camuflados, falsos, desleais e interesseiros, que ridicularizam e desprezam aqueles que tem coragem ou ingenuidade de serem verdadeiros. Temos a Dona Felicidade que não tem constrangimento de se queixar de seus gases até para o homem que lhe interessa, bem como a Leopoldina que, vivendo um casamento de conveniência, esta sempre envolvida em romances com rapazes mais novos, sem fazer disto muito segredo. Aqueles que não são tão autênticos, nem por isto deixam de ter seus casos secretos: O Conselheiro Acácio, personagem sério, mais velho, respeitado por todos, pronto para opinar sobre as atitudes alheias, mantém um caso com a sua empregada de cama e mesa. Lembramos que este personagem deu origem ao termo acaciano: sujeito ridículo, sentencioso, enfatuado. O próprio Basílio que já nas primeiras linhas do romance se percebe ser um canalha, mantém-se fiel a si:todos os seus atos estão de acordo com o sujeito sem escrúpulos e imoral que é.
Os personagens que mais cativaram por motivos diferentes, é claro, foram a Juliana, o Sebastião e a própria Luísa. Observamos que tal história só teve o destaque que guarda até hoje por ter sido escrita na época e no país que foi, com a riqueza de detalhes em torno das situações amorosas críticas, certamente causando forte reação no público. Alguns ficaram revoltados com a atitude submissa da protagonista que, simplesmente deixa-se morrer tomando a si toda a responsabilidade pelo ocorrido, sem considerar a displicência do marido que a deixou sozinha e praticamente reclusa durante meses. Alvo fácil para qualquer pretexto que trouxesse alguma novidade aos seus dias. Tirando a redação arcaica e os termos não mais usados, o romance é interessante e forneceu bastante material para discussão quanto a situação social da mulher. Recebeu duas notas dez e três notas nove, o que resulta em um 9,5.

3 comentários:

Rebeca disse...

Adorei os comentários e concordo com todos. Esse livro é realmente um exemplar do realismo. A leitura é muito interessante e chega ao ponto de, em alguns momentos, ser desagradável, tamanha a verossimilhança das descrições das personagens e situações.

bernardo parreiras disse...

Infelizmente não pude ir ao encontro, mas gostei muito da escolha.

"O Primo Basílio" foi publicado em 1878, 20 anos depois de "Madame Bovary," de Gustave Flaubert (lançado em 1857).

Tudo indica que Eça de Queiroz foi influenciado por G. Flaubert, que é considerado um dos pais do realismo literário; há inclusive estudiosos que afirmam que o livro que deu início ao movimento realista foi "Madame Bovary" - obra que levou o seu autor aos tribunais, sob a acusação de ofensa à moral e à religião.

Quem ler os dois romances perceberá que tanto o tema quanto alguns personagens são muito semelhantes.

Gosto do Eça de Queiroz e já havia lido "O crime do padre Amaro," no qual o escritor ataca ferinamente a igreja.

"O primo Basílio", embora seja realista me parece um tanto moralista, visto que uma das personagens é "castigada" no fim.

Como gosto de frisar, prefiro o realismo ao romantismo, e se tivesse que escolher um entre todos os autores do séc. de XIX/início do séc. XX, ficaria com Machado de Assis; não só pelos romances da fase realista, mas também pelos contos.

Abraços!
E até o próximo encontro, no qual discutiremos o livro "A metamorfose", de F. Kafka!

Mariana disse...

Realmente esse livro é muito bom.
Eu fiquei tão envolvida na história que queria dar um tapa na cara da Luisa pra ver se ela se tocava do que ela estava fazendo!
As discrições são exatas e sucintas, de modo que a gente se perde na história sem perceber.
Adoreei!

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